terça-feira, 16 de abril de 2013

THE WALL


Vitor Lucas Dias Barbosa, vulgo Vitor Pirralho. 30 anos. Estudante de Letras reincidente. Sim, há 11 anos entrei na UFAL para cursar Letras, fui bem nos dois primeiros anos (regime anual ainda) e comecei a desandar a partir do terceiro, chegando a trancar o curso e depois a abandoná-lo, os motivos foram basicamente dois: trabalho e inchaço de escroto. Comecei a dar aulas, a ganhar dinheiro e independência, aluguei uma casa e comprei uma moto, comecei a conhecer diversas pessoas, possibilitando assim a expansão do que eu gostaria que se tornasse de fato meu trabalho – no sentido de financiar minha vida, estou falando da minha música. Com minha música ganhei prêmios, estadual e nacionais, gravei um disco, saí do Estado para divulgá-lo, apareci em programas nacionais, gravei um segundo disco (para ouvi-los é só baixar gratuitamente em www.vitorpi.com.br) e uma música desse será interpretada por Ney Matogrosso em seu próximo disco (assistam ao próprio falando a respeito, a partir dos 5 min deste vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=g9MX5nBK4GQ), que sai ainda este ano, segundo o próprio. Há pelo menos dez anos venho construindo minha carreira na música, já obtive um certo reconhecimento, mas as artes nos proporcionam apenas momentos de sobrevivência, é um período muito longo de seca e uma chuvinha que vem para verdejar rapidamente e te manter vivo em meio à secura, assim é o ciclo artístico para quem faz arte em Maceió. Bom, este breve histórico é o embrião de minha vida profissional, nos palcos e nas salas de aula, descrito para justificar minha reincidência na UFAL. Ontem, 15/04/2013, voltei à sala de aula como aluno, novamente na mesma universidade e no mesmo curso, Letras. 11 anos depois parece não ter mudado muita coisa. Lembra que no início falei que larguei o curso para poder conciliar meus trabalhos? 11 anos depois sinto ter mais traquejo para lidar com trabalhos e vida acadêmica, vou inclusive associá-los desta vez, coisa que não soube fazer no passado e que agora me motiva a regressar ao curso. Lembra também que o outro motivo para abandonar o curso foi o inchaço de escroto? Pois é, já no primeiro dia de aula pude notar que essa enfermidade novamente irá me acometer nesse regresso. Ontem houve apenas uma recepção para os alunos recém chegados, com as falas da coordenação e da diretoria, justamente para explicar questões de comodidade no novo prédio que agora abriga apenas a Faculdade de Letras, trâmites e hierarquias no curso, enfim, e dar as boas vindas aos calouros. Até então tudo bem, até que, após a despedida e saída dos professores, entra o CA de Letras, representado por dois alunos, que também estavam na sala entre os calouros enquanto os professores falavam, um jovem e uma jovem, para dar também suas boas vindas. A jovem começou a metralhar, metralhar mesmo, pela rapidez em sua fala e por assassinar com suas palavras tudo que a coordenação/direção acabara de falar. Falou que era tudo mentira deles, daquele jeito inflamado, típico de movimentos estudantis que insistem em caminhar sem lenço e sem documento, pois não desenvolveram identidade, caminham contra o vento que soprou nas décadas de 60 e 70, principalmente, do século passado. Que fique aqui bem claro, não faço parte de partido algum e sou sim solidário a causas estudantis, mas a causas atuais, pois aquele movimento conquistou o que dizia respeito aos anseios e necessidades daquela época, é necessário que a classe estudantil dê continuidade às conquistas, só que, a meu ver, de forma repaginada e atualizada. Sei que vão me chamar aqui de chumbeta dos professores e alegar que os anseios estudantis são os mesmos. Bom, não sou chumbeta dos professores, pois sou um deles, sei o que é estar em sala de aula e ter que agradar a gregos e troianos, quantos dos que estavam ontem comigo naquela sala sabem o que é ser professor? Aqueles que falaram pelo CA sabem? Não sei. Quanto aos anseios estudantis, pergunto se são realmente os mesmos, será que as minas pirariam hoje na balada com um baldinho de cachaça e fazendo tche tchererê tche tche se não fossem aqueles que tomaram porrada em busca de uma livre expressão? E tudo isso está acontecendo dentro da universidade, segundo o CA de Letras, o COS é a melhor balada, conselho dado ontem, “Não percam as festas do COS, elas são as melhores!”, será que seus pais sabem que você vai à universidade se embriagar? O movimento estudantil na época da ditadura promoveu mudanças sociais, culturais e políticas, inclusive elevando alguns estudantes à categoria de parlamentares, que hoje, diga-se de passagem, foram militantes de passagem realmente, hoje não representam o que pretendiam, e isso é o que mais sinto nos discursos inflamados atualmente. “Nós do CA lutamos contra o DCE que é atrelado ao governo”, ok, derrubemos então o DCE, o CA ficará isento de alianças políticas? É... Isso me soa como querer preencher a vaga, trampolim político, nada mais. “Tudo é política”, “Aqui não existe hierarquia”, “O professor Fernando Fiuza é uma desgraça”, Rá Tá Tá Rá Tá Tá... Como bom niilista, acredito na política do bom senso, da cortesia, da gentileza, acredito que existem hierarquias naturais (pais e filhos, idosos e jovens, experientes e iniciantes, professores e alunos etc.) e, ao ouvir a descrição feita por aqueles jovens sobre o Fiuza, me senti dentro do filme The Wall, que é uma bela metáfora do Alan Parker e do Pink Floyd para retratar regimes ditatoriais que se refletiram dentro da educação também, claro, mas a trilha estudantil hoje mudou o acorde, o tom é o mesmo: oprimidos X opressores, mas a melodia perdeu a tensão e, para mim, ganhou ares de comicidade. Cito, então, para ilustrar esse matiz, palavras do “desgraça”: “(...) Estranho tempo / Onde a língua / Faz escapar sons / Vindos do mais íntimo / E primário chacra / Acompanhados / Por teclas de grande suavidade / Dando esperança / Ao eterno retorno”. Assim sendo, eu mesmo me dou boas vindas de volta à UFAL, e ao chegar em casa abro minha cerveja, acendo meu cigarrinho e ligo o rádio para relaxar, “Hey, teacher, leave the kids alone!”, e cada vez mais me sinto um tijolo fora dessa parede.

2 comentários:

  1. Suas considerações a respeito de como as pessoas se posicionam parecem-me interessantes. Sua percepção quanto à ignorância ou, simplesmente, desconsideração da história fazem-me lembrar de um documentário ao qual assisti no último final de semana, "Um dia que durou vinte e um anos". Vale a pena. Daniel :)

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  2. Cobre essa parede com reboco e termina de vez com mais essa obra.Bruno B.

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