sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

CANÇÃO DO EXYLLYS

Minha terra tem goiabeiras,
Onde Jesus está;
As bases, que aqui governam,
Não governam como lá.
Nosso céu tem mais traçantes,
No senado, impostores,
Nos gabinetes tem milícia,
Nesse feudo mais senhores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Ameaça encontro eu lá;
Minha terra tem goiabeiras,
Onde Jesus está.
Minha terra tem horrores,
Portanto me encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Fake news encontro eu lá;
Minha terra tem goiabeiras,
Onde Jesus está.
Não permita Deus que eu morra,
Por isso não volto para lá;
Não vale um cuspe os impostores
Para não morrer estou por cá;
A vida é triste nas goiabeiras,
Onde Jesus está.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

MISSIVA PARA ADRIANA CALCANHOTTO

Em outubro do ano passado tive a oportunidade de conhecer pessoalmente Adriana Calcanhotto e bater um papo rápido com ela, como eu sabia que o papo seria rápido e eu não teria tempo para explicar tudo que gostaria, fui ao seu encontro já munido dos meus discos e de uma cartinha. Adriana é muito foda (e muito fofa também) e está com um espetáculo que se chama A mulher do Pau Brasil, que tem uma concepção antropofágica (Oswald de Andrade), e quem me acompanha sabe que minha obra, de maneira geral, é baseada também nesse conceito.
A curiosidade é a seguinte, dentre tantas coisas que esmiucei na cartinha, no último parágrafo eu explicitei que gostaria de fazer uma versão de uma canção dela que se chama Senhas. E com o que eu me deparo no dia 18 de janeiro? Baco Exu do Blues, com o aval da própria Calcanhotto, num projeto chamado Nada ficou no lugar, fazendo uma versão de Senhas.
Deixo aqui meu salve a todos os envolvidos, e abaixo a cartinha.


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Maceió, 11 de outubro de 2018

Para a mulher do Pau-Brasil

                Olá, Adriana, chamo-me Vitor Pirralho (como o semanário – O Pirralho – de Oswald de Andrade) e muito me apetece que você receba com carinho este material, minha obra, fruto da folia/orgia/poesia, negócio do ócio também. Sou muito seu fã, comecei a ouvir sua música por influência da minha mãe, sempre que estamos a celebrar algo, até hoje, ela diz “põe Gafanhoto aí pra gente escutar” (rsrs), acredito que outras pessoas também já tenham feito esse jogo sonoro com seu nome.
                Eu também sou professor de literatura, tenho atualmente 36 anos, e componho desde os 16, 17 anos, ou seja, desde 1998, 1999. Até gravei de forma caseira, em 1999, no início dos softwares de música, um “álbum”, o que hoje provavelmente seria chamado de mix tape. Intitulei o projeto como Tallow Soul (esse seria o nome do grupo que eu gostaria de ter montado) e o trabalho de estreia foi batizado como Desordem é progresso. Tem uma faixa desse trabalho (que eu joguei na nuvem, no Soundcloud) que eu até cito isso em um verso “ainda tenho 17”. Nessa época, eu morava em Recife, sou alagoano de nascença, mas filho de pernambucanos que me criaram lá. Costumo dizer que sou “alabucano”. Falando nisso, tem outra faixa nesse trabalho que eu junto versos de O rio e de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, com versos meus. Intitulei a faixa de Saga nordestina. Vi outro dia você dizendo que já tentou musicar algo de João, mas não foi bem sucedida como foi Chico. Pois é, eu também acho que não fui bem sucedido, mas deixei registrado, mesmo que precariamente – tanto na qualidade sonora de uma gravação caseira, que saiu de uma K7 para a posterior digitalização em um CD e depois para a internet, como também na qualidade da composição poética –, acho importante colecionar e arquivar e consultar e revisitar arquivos intelectuais, meus e de quem admiro. Agora estou de volta a Maceió.
                Quando voltei a Maceió, continuei (até hoje estou) na saga nordestina de produzir música e poesia, até que em 2004, ao ser contemplado num edital estadual, que me premiaria com a gravação do meu primeiro álbum de fato, me apresento num show oficialmente como Vitor Pirralho, junto a uma banda que montamos de última hora, a qual nomeei U.N.I.D.A.D.E. (União Não Influenciada Demagogicamente, Antropofagia Determina o Estilo), e com o privilégio de ter sido essa primeira apresentação abertura para o show da Duofel. Magnífica dupla, que tem um alagoano. Tramitações e burocracias governamentais, o disco só veio sair mesmo em 2008. O título: Devoração crítica do legado universal. Extraí essa frase de um artigo de Haroldo de Campos, que definia a Antropofagia cultural. Esse primeiro álbum apresenta já algumas coisas basilares da Antropofagia e do Modernismo como um todo. Por exemplo, a faixa de introdução se chama Prólogo interessantíssimo (numa referência ao Prefácio de Mário), há outra faixa que eu canto “tupi or not tupi, that’s the question” no refrão, e por aí vai, mas não é exatamente um álbum como eu gostaria que fosse, pois eu tive que cumprir algumas cláusulas com as quais me comprometi no edital, o que fez com que o disco ficasse carregado com o ranço ainda da época da Tallow Soul, há muitos versos que inclusive aproveitei do Desordem é progresso, muitas músicas do Devoração ainda carregam imagens, narrativas e agressividade do rap da old school 90’s. Isso aconteceu porque ele deveria ter saído em 2004, quando ganhei o edital, porém só saiu em 2008. Mas registrei!
                Virada de jogo e desapego. No ano seguinte, 2009, fui contemplado num edital do MinC, o Projeto Pixinguinha, sei que esse você também conhece bem. Então eu pude produzir um álbum dentro do período que eu queria, intensamente, sem espaçamento, focado num tema. E assim o fiz. Produzi um álbum conceitual, que eu batizei de Pau-Brasil (eis-me aqui, o homem do Pau-Brasil escrevendo para a mulher), nele eu me desprendo dessa característica mais icônica do rap e mergulho de cabeça nos conceitos antropofágicos, eu gosto muito desse disco, ele é repleto de referências e versos oswaldianos, de discussões sobre o processo de colonização, sobre a formação étnica e cultural do povo brasileiro, é mais bem produzido, tem um projeto gráfico lindo, enfim, e o ápice de tudo isso é quando Ney Matogrosso decide gravar desse álbum, e grava, a música Tupi fusão. Já ouviu? Ele gravou em seu último trabalho de estúdio, Atento aos sinais. Deu uma belíssima interpretação a ela. Acredito que você vá gostar do Pau-Brasil, trabalho que coincide (?) com o seu mais recente.
                      Já o protótipo que você tem em mãos, te apresento em primeira mão, será o meu novo álbum. A invenção é a mãe das necessidades. Esse está muito bonito. Tem participações de Zeca Baleiro, Ellen Oléria, Pedro Luís (amo a canção Mão e luva que você gravou, aliás, amo o Maritmo inteiro!*), Tonho Crocco (seu conterrâneo, fundador da banda Ultramen, lá do RS) e uma inédita que eu compus para fazer com Ney Matogrosso, essa música terá também um clipe com o próprio Ney atuando, já filmamos, lançaremos junto com o disco. É isso. Também está uma lindeza esse álbum, ele traz discussões dessa atual geração, da velocidade e da futilidade das informações, de como a contemporaneidade inverte o papel da necessidade como matriarca das invenções para as tecnológicas invenções ditando nossas necessidades atualmente. Espero que você tenha uma ótima deglutição.
                Pois bem, Adriana, se te interessar a tessitura da minha obra, entra em contato comigo, num futuro breve, quem sabe, poderíamos processar uma parceria lírico-musical. Seria, para mim, mais um sonho realizado no âmbito da poesia/música. Eu gosto muito da canção Senhas, sempre tive vontade de dar a ela uma versão minha, acho que ela tem uma pegada agressiva, mas com elegância, que ficaria bem ajustada num rap com a minha interpretação. Mas isso é só uma ideia, a ideia fundamental é compor algo inédito contigo.

*Conversei bastante com Sacha Amback sobre esse disco, ele está em quase todas as faixas, não é mesmo? É lindo demais esse trabalho. Ficamos a nos deliciar ao analisá-lo naquela ocasião. Sacha é uma figura da mais alta nobreza e generosidade. Até hoje ele me “deve” a ponte de te conhecer, ele disse que tentaria me apresentar a você, mas como há muito ele não entra em contato contigo, não me deu garantias. Bom, cá estamos.

Meus contatos:
82 9****-**11
vitorpirralho@gmail.com
manifestopi.blogspot.com / Redes sociais e plataformas digitais: Vitor Pirralho

P.S: Perdoe-me se uma missiva digitada ao invés de manuscrita possa soar com frieza, mas é que de tanto escrever eu desenvolvi um problema no tendão do antebraço, sempre que escrevo de próprio punho em demasia, é como uma cãibra, trava tudo e dói.

Atenciosa e carinhosamente, Vitor Pirralho