terça-feira, 19 de outubro de 2021

ÁGORA DO AGORA

A ágora do agora
agoura mal
se o assunto é outrora 

Desconforto!
Grosseria?
Loucura...

Nunca disse que a “porra do seu interesse” não é verdadeiro 
mas a “porra do seu interesse” é deselegante 
à medida que prefiro ser 
e sua insistência persegue quem fui 

Desconforto! 

Ah, direis gostar de ouvir histórias 
De amor então... 
E o que é que estamos vivendo? 
Só quero progresso, dispense o pregresso, quantas vezes terei de dizer? 

Grosseria? 

Humildade... Humilhação... 
Quem deslegitima quem? 
Quem é vítima de quem? 
Já perdi as contas 
já pedi as contas 
já apanhei e já te contei 
Você se deu conta? 
Não quero ter de contar tais histórias 
Meu não querer é grosseria? 
Meu bem querer o que seria? 
Querer ficar, querer me envolver 
mesmo quando você me manda ir embora 
com medo de ser morta 
que ironia, por sua vida pregressa 
que eu nunca pedi para saber 

Loucura...


sábado, 12 de junho de 2021

A MOÇA E O ACORDEOM (em resposta ao texto A moça e o violino, de autoria do genro da falecida)

A descrição sobre a discrição da falecida, que introduz o texto, é muito boa. Apresenta muito bem o caráter da sogra. Assim como também achei muito bom o tom irreverente sobre o velório em si. Velórios são um prato cheio (por que não um caixão cheio?!) para cordelistas e cancioneiros populares aqui no Brasil, brasileiro costuma extrair graça de desgraça e “velório que não tem piadista e causos inusitados é velório [...] que não chama a atenção”, não é mesmo?

Ainda sobre os populares aqui no Brasil, chamou-me a atenção o trecho do seu texto que divaga sobre os recipientes de álcool “amarrados por um barbante para não serem furtados por pessoas desonesta [sic]”, não exatamente essa situação que me chamou a atenção, mas a reflexão sobre “não se entender tantas críticas de desonestidade aos políticos, quando o povo furta qualquer coisa que lhe é servida”. Não seria o povo, de maneira geral, reflexo de seus líderes? Fica a dica para que você desenvolva em outro texto reflexões sobre alteridade, sobre o “homem cordial”, definição de Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico Raízes do Brasil. Provavelmente, você já leu. Meu conselho é que retome a leitura para refrescar as reflexões.

Voltando ao velório, e à questão central que dá título ao seu texto, um dos netos não deixou “de acompanhar as rezas para se concentrar na beleza da moça” que executava a fúnebre melodia em seu violino. Aliás, ninguém tinha cabeça (nem a de cima nem a de baixo) para pensar nisso naquele momento. Fora que não se deixa de acompanhar algo que já não se acompanhava. Eu sou ateu. Em nenhum momento eu acompanhei as rezas, apenas estava ali presente para simbolicamente me despedir da minha velhinha.

A curiosidade é que minha avó me levava à igreja dela quando eu ainda era uma criança, e eu gostava, principalmente das partes em que cantávamos em coro, talvez por isso eu tenha desenvolvido o interesse por me expressar cantando. Hoje, não mais cânticos cristãos, mas versos que confrontam o cristianismo e que muitas vezes têm como sample melodias semelhantes à do violino da moça, para dar aquele clima de terror que tão bem as religiões cristãs impõem. E sempre que eu visitava minha avó, já nos últimos anos, ela me perguntava: “tu te lembra daquele hino que tu gostava de cantar na igreja?”; eu, prontamente, respondia (mentindo): “lembro sim, vó, muito bonito”. Ainda bem que ela nunca pediu para que eu então cantasse para provar que lembrava. Isso diz muito sobre o caráter dela, que eu já destaquei no início do seu texto. Discrição muito inteligente da parte dela.

Estender-me-ei um pouco mais nesse ponto para dizer que meu anticristianismo, de certa forma, tem o dedo dela. Pasme, ela disse que não era para eu me batizar quando eu pedi para ser batizado. Será que foi um pressentimento? Ela simplesmente disse que eu ainda não sabia se era aquilo que eu realmente queria. Mais uma vez, estava certa. Depois que eu me aprofundei nas ciências e nas artes, foi como Darwin confrontando o criacionismo. Entendi que a luz não é divina, é física! Só para concluir esse episódio dos netos que deixaram de acompanhar as rezas, houve um momento, durante as rezas, em que sua filha mais velha (a do autor do texto A moça e o violino), minha prima e colega na profissão docente, se aproximou de mim e falou ao meu ouvido: “pra gente que pensa, é difícil ter que ouvir esse tipo de discurso”; eu, totalmente de acordo, acenei positivamente com a cabeça e dei-lhe um abraço.

Bom, há muitos anos não nos víamos, mas guardo de você (do autor do texto A moça e o violino) uma lembrança da minha infância. Certa feita, estávamos em sua bela casa, desfrutando de um domingo, piscina, comidas, vocês adultos consumindo bebidas alcoólicas, até que em certo momento estavam todos na piscina, dispersos, e ficaram à mesa à beira da piscina apenas eu, você, sua esposa (minha tia que há muitos anos não via também, e foi muito bom, apesar da situação, dar-lhe um abraço) e mais alguém, não lembro quem, então minha tia perguntou se eu não queria ir para a piscina com as outras crianças, antes que eu pudesse responder, você disse: “não, ele vai ficar escutando as conversas para depois passar tudo para a mãe dele”, como se eu fosse um espião fofoqueiro. Você não lembra disso, não é? Isso diz muito sobre você, pois certamente era você quem queria fofocar sobre algo/alguém naquele momento e não queria que eu ouvisse, desviando o foco de seus mexericos para mim. É, naquele momento, você não havia realizado que quem me criou e muito me ensinou foi aquela senhora que estava sendo velada e que você tanto elogiou a discrição dela na abertura do seu texto. Somos reflexo dos nossos líderes. Sou reflexo de minha líder, de minha avó Ivone. A vida alheia não me interessa, nunca me interessou. Tenha ciência disso.

Sem ressentimentos, de verdade. O que eu te disse depois do sepultamento não foi demagogia, eu acompanho seus textos e gosto da acidez e da irreverência que você imprime em seus escritos. Só não poderia deixar passar esses equívocos, já que me envolvem, sobre me concentrar na beleza da moça do violino. A propósito, fale à beata invejosa, se a reencontrar, que os trajes da moça do violino eram muito mais apropriados a um concerto de rock’n’roll gótico – que se alinha ao clima de um velório – do que à exibição no palco do forró. Sei bem que toda a situação decorreu na Capital do Forró, mas se você se esforçar num exercício de observação diacrônica, perceberá que o agreste não é mais apenas forró, saias e blusinhas não são mais exclusividade de um gênero, e aqui me atenho a gênero musical, pois essa reflexão se estende também à discussão de identidade de gênero. Mas podemos levar essa discussão noutro momento, quem sabe até acompanhados da mocinha, em trajes mais coloridos talvez, executando melodias mais eróticas num acordeom em vez de um violino?!

terça-feira, 23 de março de 2021

e-versos

Quando não havia Instagram
Eu necessitava do Facebook
Quando não havia Facebook
Eu necessitava do Orkut
Quando não havia Orkut
Eu necessitava do MSN
Quando não havia MSN
Eu necessitava do mIRC
Quando não havia mIRC
Eu conversava no telefone residencial
 
E escrevia cartas
 
Isso é o que eu quis dizer em
A invenção é a mãe das necessidades
O mundo inverteu Platão

sábado, 20 de março de 2021

O DRAMA DA POESIA

 A poesia vive em drama, crises de identidade
Tanto elogia quanto difama, não sabe sua idade
Sua história se confunde com a da humanidade
Por isso ela é antítese, é discrição e vaidade

É tragédia, é comédia, é mentira, é verdade
Não é apenas texto, é corpo e oralidade
É profana e sagrada, é ciência e religião
A catarse, o disfarce, a blasfêmia na oração

Ei, arquiteto, onde mora a poesia?
Didascália de dia, de noite improvisa
A vida é o palco, não é a coxia
Essa dramaturgia não se canoniza

A grande meta fora traçada não se sabe por quem
A grande metáfora, alçada pela metalinguagem
Prosódia, musicalidade, pictórica é também
Afinal, o que é poesia? De todas as artes, o harém

SACI HALLOWEEN

Vocês que fiquem com os doces, prefiro as travessuras
Traquina, trançado de crina, planta medicina, eu sei as curas

Perdi a perna na capoeira, assim mesmo faço um furacão
Jack Lanterna pra lá, para cá Virgulino Lampião
 
Venham de nabos e abóboras, eu cozinho tudo no feijão
E quando eu virar cogumelo enveneno a eurocentralização
 
Folclore afro-ameríndio se esvaindo no ralo é ruim
Bruxas caçadas viraram depois cosplays no halloween
 
Matita perê, na mata tupi, sou o Saci Matinta-pereira
Assobio na maior altura: viva à cultura brasileira