sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O FUTEBOL É FEITO DE PESSOAS


O futebol é feito por pessoas, é, portanto, feito de pessoas. Tudo o que é feito por seres humanos tem, por conseguinte, o próprio ser humano naquilo. Parece que o meio de campo embolou, não é mesmo? Então vamos clarear essa jogada e pôr a bola para frente. Pensemos num projeto arquitetônico, por exemplo, ele é idealizado e executado por pessoas, e nele está o próprio ser humano, representando uma época e seus valores, atravessando o tempo e contando histórias da humanidade, e também da desumanidade, afinal, muitas construções foram erguidas para enclausurar e arrancar a humanidade das pessoas. Então pensemos nas arenas romanas, construções erguidas para entreter o povo com jogos, com guerreiros que se digladiavam entre si e muitas vezes enfrentavam feras. Por sua vez, o povo (a plateia, a torcida) se distraía e se entretinha com os combates, enquanto os imperadores e nobres governavam distribuindo migalhas de seus camarotes. Eis a fórmula humana: amálgama de arte, entretenimento, diversão, brutalidade, disputa e corrupção. Há ainda dois elementos fundamentais que não podem deixar de ser escalados para compor tal fórmula: política e religião.
Percebem como esse recorte datado de antes de Cristo é bem semelhante ao jovem ludopédio de pouco mais de cem anos? A começar pelas divisões dos estádios de futebol – hoje também conhecidos como arenas –, com seus espaços mais ou menos privilegiados e ocupados por quem tem mais ou menos prestígio, respectivamente. Dentro de campo, um jogo que encanta e conta histórias que refletem a própria humanidade. Da lealdade à maldade, do fair play à violência, da honestidade à corrupção, tudo acontece aparentemente dentro de campo, mas, ao mesmo tempo em que inspira, também reflete a plateia, reflete a própria vida em sociedade. Poderíamos narrar um sem-número de histórias encantadoras e desgraçadas, que envolvem o futebol, para ilustrar como esse jogo feito por pessoas é, na verdade, a materialização delas, de seus anseios e devaneios. Mas isso levaria este texto para a prorrogação e para uma cobrança de pênaltis infinita, pois são histórias que abarrotam arenas e não finalizaríamos nunca essa partida. Então selecionaremos alguns highlights para demonstrar encantos e desgraças do ser humano, metaforizados de forma lúdica ao longo do campeonato da vida.
A partir daqui, chamarei o jogo para mim, é hora de aparecer o talento individual, troco a primeira do plural desse discurso pela primeira do singular e assumo a responsabilidade da derrota, mas dividirei com os leitores-torcedores os louros da vitória se ela vier ao apito-ponto-final.
Começarei ilustrando os ápices dos encantos e das desgraças narrando um episódio ocorrido com o Sport Club do Recife, clube do qual sou torcedor. Em 2008, o Sport foi campeão da Copa do Brasil de forma magistral, tendo eliminado gigantes do futebol brasileiro, como Internacional – RS, Palmeiras – SP, Vasco – RJ e sendo campeão em cima do Corinthians – SP. No ano seguinte, jogou brilhantemente a primeira fase da Libertadores da América, passando a fase de grupos como primeiro colocado, inclusive vencendo o, até então, campeão daquela competição, a LDU, dentro e fora de casa. Parou na fase seguinte, nas oitavas de final, sendo eliminado nos pênaltis pelo Palmeiras. No final do mesmo ano, em 2009, foi rebaixado, como lanterna, da Série A do Campeonato Brasileiro. Jogou a Série B nos dois anos seguintes. Nesse ínterim, 2010-2011, apareceu um pai de santo afirmando que tal crise se instalara no clube por conta de uma dívida não sanada, o Sport teria prometido um búfalo ao babalorixá, ainda em 2008, caso a equipe conquistasse a Copa do Brasil. A diretoria do Sport, por via das dúvidas (?), decide então pagar R$ 5.000,00 ao pai de santo para que a “dívida” com os orixás pudesse ser sanada, o babalorixá comprou um boi malhado, por menos da metade do valor recebido, depois de ter consultado os orixás e, segundo tal consulta, eles terem permitido aquele boi em vez de um búfalo. Hilário, não? Interesses espirituais e financeiros numa mesma oferenda. Fato é que o Sport retornou à elite do futebol brasileiro em 2012. Misticismos, crenças, religiões e superstições fazem parte indissociável do futebol. “No creo em brujas, pero que las hay, las hay”.

O futebol é feito de crenças. Crenças são produzidas por pessoas. 

Os próximos episódios narram uma desgraça inerente ao ser humano, que é transmitida às suas instituições: a corrupção. Ela aparece no futebol de forma semelhante àqueles imperadores e nobres romanos das arenas, mas sob outra alcunha, eles são conhecidos como cartolas. Esses mancham o futebol com politicagem, subornos, compra de integridade, associações escusas e todo tipo de irregularidade que se possa imaginar. Vamos aos fatos. O Clube de Regatas Flamengo foi o campeão brasileiro de 1980 em cima do Clube Atlético Mineiro. Eram dois timaços, não há como negar. Porém, o jogo foi marcado por um nome: José. José de Assis Aragão, o árbitro da partida, expulsou na metade do segundo tempo o craque do Atlético, Reinaldo, por ter reclamado de um impedimento mal marcado e retardado a cobrança de tal impedimento, Reinaldo já havia marcado dois gols na partida, que se encontrava com um placar de 2x2, favorável aos atleticanos, que poderiam se consagrar campeões, diante de mais de 150.000 torcedores rubro-negros em pleno Maracanã, com aquele empate. Resumo da ópera: com um jogador a mais, o Flamengo fez o terceiro gol e levou a taça daquele ano. Esse ainda não é o episódio mais emblemático que pretendo usar para ilustrar a corrupção no futebol, mas tem o mesmo confronto: CRF x CAM. O ano foi o subsequente, 1981, agora pela Taça Libertadores da América, torneio que seria vencido pelo Flamengo naquele ano. Entretanto, antes de se sagrar campeão da América, o clube carioca tinha novamente o rival mineiro, o mesmo sobre o qual havia sido campeão nacional no ano anterior, com a polêmica expulsão de Reinaldo, como foi narrada acima, e de mais dois jogadores atleticanos no final daquela partida com o Flamengo já em vantagem no placar. É de expulsão que estamos falando? Pois bem, a reedição do jogo do ano anterior entre cariocas e mineiros, agora por um campeonato continental, também foi marcada por um nome, mais um cidadão José. Dessa vez o árbitro era José Roberto Wright, que aos 37 minutos de jogo já havia expulsado cinco jogadores do Atlético Mineiro, isso mesmo, cinco!, a sequência de cartões vermelhos teve início novamente com Reinaldo, como coincidentemente ocorrera um ano antes; com apenas seis jogadores em campo do lado mineiro, Wright encerrou a partida e decretou a vitória dos cariocas, que avançaram aquela etapa e foram campeões do torneio. Dizem por aí que Wright é flamenguista. E agora, José? E eu nem adentrarei na seara de 1987, pois esse é um caso encerrado.

O futebol é feito de corrupções. Corrupções são produzidas por pessoas.

Agora eu gostaria de trazer um episódio ocorrido na Copa do Mundo de 1986. Copa vencida pela Argentina, com uma belíssima atuação do polêmico Diego Armando Maradona, e, em se tratando de Don Diego, a polêmica é praxe. Porém essa polêmica é justificável dentro dos trâmites políticos, futebolísticos e, naturalmente, humanos. Nas quartas de final daquela Copa, a Seleção da Argentina enfrentou a Seleção da Inglaterra num jogo histórico. 2x1 para a Argentina, que avançou de fase com um golaço de Maradona, que parte do meio de campo driblando todos os adversários à sua frente, e com um gol de mão, que foi validado, marcado também por Maradona, aliás, segundo o próprio Diego, marcado por Deus, é o famoso gol “la mano de Dios”. Por que essa irregularidade, um gol de mão, seria justificável naquela situação específica? Basta retornar a 1982, quatro anos antes daquela partida, e resgatar um episódio político, entre Reino Unido e Argentina, que envolvia o controle de um arquipélago conhecido pelos argentinos como Ilhas Malvinas e pelos ingleses como Falklands, o conflito teve como vencedores os ingleses, o que acarretou um mal-estar diplomático entre as duas nações até hoje. Apenas quatro anos depois de um conflito bélico de interesses políticos, um conflito futebolístico de caráter mundial traria de volta toda aquela tensão entre os dois países. Tratava-se de soberania, demarcação territorial, orgulho. E o campo de futebol é uma trincheira para todos esses requisitos. Maradona após a partida simplesmente decretou e dedicou aquela vitória às Malvinas. Portanto, gol de mão justo como a mão que empunha armas para reivindicar soberania. Mesmo que seja essa a mão de Deus.

O futebol é feito de guerras. Guerras são produzidas por pessoas.

Por fim, já nos acréscimos textuais, faço questão de colocar em súmula o recente trágico episódio ocorrido com a Associação Chapecoense de Futebol. Um acidente aéreo que dizimou quase uma delegação inteira que se encaminhava para a Colômbia para disputar a final de uma competição continental, a Copa Sul-Americana. Por ganância do piloto, também dono da companhia aérea, numa tentativa de conter gastos visando apenas ao próprio lucro, a aeronave foi abastecida com o mínimo de combustível para o trajeto, o piloto não contava com a possibilidade de precisar de mais combustível e tal possibilidade se concretizou quando a aeronave não obteve permissão para pousar e precisou sobrevoar por mais tempo. Sem combustível, queda. Tragédia. Tal situação irmanou brasileiros e colombianos de uma forma jamais vista. O Club Atlético Nacional S.A., ou simplesmente Nacional de Medellín, abriu mão do título e da premiação da competição num gesto de solidariedade. O mundo se solidarizou. Tragédias podem ser provocadas por pessoas e suas ganâncias (e geralmente são), como guerras, conflitos ideológicos, desacordos políticos, incompatibilidades religiosas, mas a solidariedade humana se sobrepõe ao estado de beligerância e de interesses individuais em situações como essa, pois na tragédia, independente de país, etnia, cultura ou das cores das camisas e das bandeiras, somos todos pessoas. O futebol é confronto, é disputa, envolve interesses particulares e coletivos, mas, sobretudo, é superação. A humanidade é assim. Contraditória. Competitiva. Cria regras e as quebra. É cheia de virtudes e defeitos concomitantes. Não vive para perder, mas se perde em viver.

O futebol é feito de pessoas, pois ele é feito por pessoas. 


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

UVB-76

Há mais de 30 anos, uma misteriosa rádio opera na Rússia. Ela atende pelo nome UVB-76 e transmite ruídos, mensagens cifradas e sinais incompreensíveis. Sabe-se que está em atividade desde pelo menos 1982, quando foram detectadas suas primeiras transmissões. Seja o que ela for, sobreviveu à queda da União Soviética e perdura até hoje.

Fonte: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-radio-fantasma-russa-que-so-emite-ruido-branco/

RUMOS E RUMORES (f)eat Ney Matogrosso

de onde vêm
tantos rumores?
ruminando o futuro, quem quer, vai ver
mensageiro do futuro, quem é você?

rumos e rumores
destino e controle
a largada é da pole
os primeiros são primores

navegam caravelas
além da Taprobana
empreitada insana
faroleiro na favela
que hoje observa
binóculos, lanterna
quem o passou a perna
previu a nova era

de onde vêm
tantos rumores?
ruminando o futuro, quem quer, vai ver
mensageiro do futuro, quem é você?

“quem controla o passado,
controla o futuro
quem controla o presente,
controla o passado”

é questão de tempo
que aconteça a previsão
não importa quem previu
ilibado ou charlatão
o próximo capítulo
não está escrito
mas prever não é difícil
já que o homem tem seu rito

de onde vêm
tantos rumores?
ruminando o futuro, quem quer, vai ver
mensageiro do futuro, quem é você?

a história se repete
a história se rumina
e a quem compete
esse termo, quem assina?

buraco da memória
tortura 101
no meio da escória
quem é você, mais um?
salve-se do dilúvio
seja a nova safra
no pen drive o conteúdo
ao mar numa garrafa

os dados ali contidos são
a respeito de um entrave
pra doença, a prevenção
digite a key, a palavra chave

O meu parceiro de composição, Pedro Ivo Euzébio (Tup), compôs o beat desta música e me enviou, como de costume, perguntou se eu não tinha uma letra para tal base, eu achei muito massa o instrumental, mas não tinha nenhum escrito que se encaixasse prontamente nele, então pedi um mote a ele, que tema ele gostaria de ouvir naquela base, e prontamente ele me respondeu “apocalipse”. Ok! Como eu já tinha a ideia de trazer a esse novo álbum o tema da modernidade, o uso e a interpretação fútil de suas tecnologias, veio bem a calhar. É o apocalipse da era digital-virtual-tecnológica. Eu tinha uma imagem-conceito em minha cabeça para este disco, um pen drive dentro de uma garrafa (em alusão a pergaminhos/papiros que eram lançados com alguma mensagem pelos navegantes) com uma mensagem do presente/futuro – de forma tecnológica, tendo o pen drive como representação disso – para alguém ainda no passado, que até então não presenciara a colonização. Um cruzamento de dois tempos: a era pré-colonial e a era contemporânea – uma espécie de “de volta para o futuro”. Para tanto, retomei conceitos distópicos previstos pela literatura há muito, como no livro 1984, de George Orwell (que já havia sido referenciado no disco anterior), e também fatos históricos como As Grandes Navegações e toda colonização, linkando, dessa maneira, à colonização tecnológica que a humanidade vive hoje. Como a parceria com Ney Matogrosso já havia sido firmada desde o álbum anterior, quando ele gravou em seu disco, Atento aos sinais, a música Tupi fusão, e pela veia vanguardista que Ney sempre apresentou, decidi escrever uma letra para ele interpretar. Assim o fiz e, que privilégio, ele concordou em participar desta.

PQTRLV

Pedro quer ter renda
lucro e vantagem

pedra no sapato de Pedro
nova rota pra mudar o enredo
o desenlace não deve ser azedo
içar velas, avante, sem medo
Paraguaçu, Cachoeira, São Félix
receptores, piratas e hélices
sincretismo na lista Index
tecnologia, amálgama, vértices
vertem-se em versos e siglas
perdem-se em terços e missas
capital investimento, mentiras
a genética ainda é mestiça

viver não é preciso, não
mas ter renda, lucro e vantagem
isso é navegação

não há nada nem ninguém que dobre
a ambição de um Pedro nobre
que descobre através da viagem
como ter renda, lucro e vantagem
a invenção já foi fruto da necessidade
hoje a necessidade é invenção
navegaram e cruzaram mares
só pra tirar vantagem, era a intenção
um caminho descreveu Caminha
“vergonhas tão altas e tão saradinhas”
por aqui devemos entrar com fé
hoje tem inhame e aquele filé

viver não é preciso, não
mas ter renda, lucro e vantagem
isso é navegação

avistado o Monte Pascoal (Pascoal)
quem descobriu o Brasil? (Brasil)
um cascudo não faz mal (faz mal)
na moleira de um gentio (gentio)
dominada a alimária
no próprio solo, pária
várias léguas, que área
da carta eu faço uma vária
a quem interessar possa
pra que tu possa reler e ver
de outro viés, a posse
pequeterrelevê

viver não é preciso, não
mas ter renda, lucro e vantagem
isso é navegação

 “antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”

Esta foi a última letra que escrevi para este álbum. Ela é decorrente de uma viagem que fizemos para a Bahia, município de Cachoeira – que é citado na letra –, para participar de um festival de música. Lá, nós saímos uma noite para comer e fomos ao local que haviam nos indicado, um bar chamado PQTRLV, que dá título à canção. Segundo os moradores de Cachoeira, tal estabelecimento servia o melhor filé do Brasil, e, de fato, o filé é filé! Eu, curioso que sou, não me contive e perguntei o significado da sigla que dá nome ao estabelecimento. Perguntei o que queria dizer PQTRLV e prontamente fui “corrigido”:
- Não se diz PQTRLV, é ‘pequeterrelevê’! (Na Bahia é assim que se pronunciam as consoantes: f (fê), g (guê), l (lê), m (mê), n (nê), r (rê))
Depois dessa correção, o atual proprietário explicou que aquele bar foi fundado por um senhor cujo nome era Pedro, que, ao chegar a Cachoeira, abriu esse bar com o intuito de ter renda, lucro e vantagem, e daí vem o nome do estabelecimento: Pedro Quer Ter Renda Lucro e Vantagem. Fiquei pensando, é assim desde os primórdios, o homem sempre coloniza um local pensando em renda, lucro e vantagens, e como estava eu na Bahia, local em que se inicia de fato a colonização brasileira, decidi fazer essa letra remetendo ao período da colonização, citando trechos da carta de Caminha, de obras de Oswald de Andrade, que adorava refletir o Brasil parodiando o próprio Pero Vaz, e trazendo ao refrão o poeta português Fernando Pessoa, que dizia que viver não era preciso, mas navegar sim, então tomei a navegação/colonização como a busca por renda, lucro e vantagem que Pedro (não o fundador do PQTRLV, mas o Álvares Cabral) promoveu nesta província de Santa Cruz, a qual vulgarmente chamamos Brasil.
Ah, uma outra curiosidade, em se tratando de Santa Cruz, que, se eu mesmo não citar, passa batida, foi que eu voltei ao PQTRLV sozinho no dia seguinte, para assistir a uma partida de futebol, Sport X Santa Cruz, pela Copa do Nordeste (eu sou torcedor do Sport e isso será melhor elucidado noutra letra mais adiante), e o aparelho que tinha no bar era um receptor desses piratas, que pegam todos os canais pay-per-view sem precisar dar satisfação a operadora nenhuma. Pois bem, essa burlada nas operadoras de TV por assinatura também entra metaforicamente na letra (como uma espécie de renda, lucro e vantagem. Por que não?!) quando eu falo em receptores e piratas – separados por uma vírgula, para que não fossem diretamente mencionados os receptores piratas (aparelhos eletrônicos), mas os receptores e piratas da era das navegações. Viagem!

HOMERO (f)eat Pedro Luís

naveguei os sete mares
enfrentei alguns problemas
pela terra e pelos ares
naquele global esquema
você veja bem na manha
como é vasto esse leque
cerveja na Alemanha
pra começar o pileque
dali mesmo da Europa
dei um pulo lá na Rússia
naquele frio tomei vodka
pra coisa não ficar ruça
contornei a Torre Eiffel
com o meu 14 bis
na França tomei champanhe
a essa altura, eu tô feliz
molho branco ou tarantela
tô legal, tô bonitinho
plantei uva na Itália
e degustei aquele vinho

beberemos lactose insana
falaremos um novo idioma
comeremos carne humana
atingiremos o topo do bioma

no éter ou no álcool, no diesel, gasolina
eu busco combustão pra abastecer a minha rima
nos cinco continentes, eu vou cair de língua
e quem não embarcar minha poesia deixa à míngua

origami, samurai
arigato, sayonara
tomei saquê dos arrozais
lá na terra do mangá
naveguei pelo Caribe
e não é pra qualquer um
encontrei o Jack Sparrow
e com ele tomei ron
na América Central
o terror é zapatista
banda de limão e sal
guela abaixo uma tequila
mais abaixo uma carinha
no Brasil foi que desci
tomei uma caipirinha
e daqui jamais saí
meu homérico pileque
separou foi a pangeia
seja conhaque ou uísque
o que vale é a odisseia

beberemos lactose insana
falaremos um novo idioma
comeremos carne humana
atingiremos o topo do bioma

Homero é uma letra que faz evidente referência ao poeta grego Homero, autor de Ilíada e Odisseia. Cito aqui o “pileque homérico”, expressão cunhada por Chico Buarque, também em referência aos épicos de Homero, que alude ao grande herói Odisseu e suas aventuras alcoólicas depois de grandes conquistas. Portanto, ao escrever uma letra que apresenta um indivíduo que degusta a principal bebida de cada lugar do mundo ao visitá-los, decidi intitulá-la de Homero. Pelo fato de a base ter uma pegada funk carioca, chamei Pedro Luís para participar da faixa, tanto pela referência musical do Rio de Janeiro (algo que Pedro faz muito bem) como por ter observado comentários dele na internet a respeito do meu trabalho.*
Esta é uma letra muita antiga que ficou guardada por mais de uma década e só agora consegui materializá-la. Outra curiosidade é o refrão, que não existia na letra original de mais de uma década. Compus tal refrão recentemente, quando tive a resposta positiva de Pedro Luís sobre participar do disco novo. Inspirei-me na Dança da vaca louca, música de um grupo chamado Boato, do qual Pedro fazia parte antes de ser Pedro Luís e A Parede. A Dança da vaca louca tem um trecho que diz “O turista lusitano / Que sabia não falar inglês / Ingerindo carne gringa / Disparou no idioma anglo-saxão / Futuristas de Milão / Levantaram do seu leito eterno / Requerendo a patente dessa antropofagia / Para o movimento moderno”, ou seja, aí tem tudo que interessa a este compositor que vos escreve e, escancaradamente, foi uma grande influência para mim. A partir disso, refleti que falaremos um novo idioma e ao devorar carne humana (antropofagia) atingiremos o topo do bioma, e a lactose insana não é oriunda da vaca louca, mas uma referência ao moloko vellocet (Laranja mecânica), leitinho ingerido para a prática da ultraviolência.
*Como Pedro Luís conheceu meu trabalho? Eu fui a um show do Monobloco, em 2007, no carnaval de Recife e, ao final do show, deixei um disco (o primeiro: Devoração crítica do legado universal, só o protótipo num CDR, dentro de um envelope, ainda não tinha o CD físico original) na mão de um segurança da banda e pedi que entregasse diretamente ao Pedro, funcionou! O disco foi entregue (sou muito grato ao segurança que eu não sei quem é até hoje) e, algum tempo depois, Pedro Luís estava falando do meu trabalho. Network roots underground. No final de 2017, conheci-o pessoalmente em Maceió, num show que ele fez com Monobloco. Pedro é um dos meu poetas favoritos.

FUZARCA DE NOWHERE

do nada, eu vou à balada
que é abalada, é impregnada
não empregue nada
nem espere que te cures
na fuzarca de nowhere, na balada de nenhures

quem vai querer, quem é que quer?
balada do nada, fuzarca de nowhere
sem compromisso, a não ser consigo
esforço, não meço, eu consigo
sigo o cruzeiro, sozinho no crowd
possibilidades de balde
e de bandeja, ora veja
cabeças e corpos, copos e breja
a vida é balada, sempre de virote
em busca de um inabalável mote
sem norte, sem sorte, também sem noção
hoje a bússola navega pela emoção
tantas substâncias me dão esperança
de um novo dia que nunca se alcança
não dorme e quer mais e quer mais
primeiro tiro, saída do cais

do nada, eu vou à balada
que é abalada, é impregnada
não empregue nada
nem espere que te cures
na fuzarca de nowhere, na balada de nenhures

aspirações, cruzando monções
da calmaria à tormenta, Camões
não descreveria tais situações
de derrotas que partem de convicções
que caem por terra, vão por água abaixo
lá vem novamente, eu despacho
o papo comédia no qual não me encaixo
faço o meu roteiro, pois não sou capacho
só estou sujeito ou submetido
a situações que eu tenha escolhido
arrependido, eu aguento sozinho
na cabeça a ressaca como um porco espinho
e ela só cura com outra por cima
parece mentira, mas esse é o clima
a balada abalada, toda corrompida
e essa fuzarca é minha vida

do nada, eu vou à balada
que é abalada, é impregnada
não empregue nada
nem espere que te cures
na fuzarca de nowhere, na balada de nenhures

me prove o contrário, suicídio lento, legistas a postos
subterfúgio, the walking dead, já estamos mortos
no propósito de curtir, excessos são cometidos
comedidos não somos, enchemos a lata e somos vencidos
nos posicionamos como vencedores, senhores do próprio destino
portando uma granada sem pino
entoando os hinos e fazendo da vida uma ameaça
desde as Grandes Navegações carregamos um vício: a trapaça

Fuzarca de nowhere é um trocadilho com arca de Noé, mantendo a vibe histórica que envolve as navegações (Rumos e rumores, PQTRLV e Homero, que antecedem esta faixa e também tocaram nesse assunto), aqui vai mais uma música que menciona tal situação. Só que agora com um viés um pouco diferenciado. Vou tentar explicar. Eu costumo dizer que Fuzarca de nowhere é uma música para quem já passou dos 30 anos de idade (eu me encontro agora com 36), pois é aquele momento em que o indivíduo se encontra a questionar se toda fuzarca da vida (baladas, curtições, festas etc.) vale a pena – pelo menos eu passei a ver assim depois dos meus 30 –, e ela vem logo depois de Homero, que exalta tal tipo de conduta, a curtição sem limites. Então aqui tentei imediatamente quebrar esse ponto de vista com a metáfora da arca de Noé; não há uma arca nas baladas para salvar, qualquer espécie que seja, do afogamento que o dilúvio de falsas sensações de prazer/poder de uma noitada oferecem. Essa navegação acaba sendo feita numa barca furada. A princípio, eu pensei em Fuzarca de nowhere como título do disco, mas acabei optando por A invenção é a mãe das necessidades pelo fato de dialogar, de certa forma, com a mesma temática desta faixa, porém ampliando a discussão.

PESPALMA (f)eat Zeca Baleiro

pra tá ligeiro é necessário talento

bola lá pro mato que é fim é de campeonato
futebol é vida, a torcida veio aqui pra ver o gol
você é Sport, eu sou MAC
você é craque, eu também sou

tudo isso é verdade, nada disso é puia
se a jogada for suja, eu dou um banho de cuia
marcado, eu driblo e deixo minha marca
a turma é mermo boa, é mermo da fuzarca

vou assim, vou acima e pra cima
voo rasante ataca e intima
e legitima o esforço
pois tudo é canela abaixo do pescoço

não sou cabotino, eu sou mesmo craque
chegoc’a botina, roubo a bola e vou pro ataque
Nilton Santos era enciclopédia? acompanhado eu sou biblioteca
mais um fascículo do ludopédio, levanto a cabeça e passo a bola pro Zeca  

pra tá ligeiro é necessário talento

bola lá pro mato que é fim é de campeonato
futebol é vida, a torcida veio aqui pra ver o gol
você é Sport, eu sou MAC
você é craque, eu também sou

de pé em pé, a cada palmo, dá tempo
a bola sai da cal, vai na palma do goleiro
maior anti-herói, a história não inventou
pés, palma, pés, palma

graças há se Mateus quiser
felicidade é
o que Suassuna disser, apois é, faz assim
eutô na mesma linha, então, manda em mim

pelada, baba, racha,catimba, quatro linhas
a terra é redonda, pimba na gorduchinha
ô, corneteiro, eu tô ligeiro, mas mesmo assim tu desacreditou
Leão da Ilha, Bode Gregório e tu soltou o grito de “gooooooool”

A faixa PESPALMA traz a participação especial de Zeca Baleiro e brinca em seu título com a sonoridade de pés e palma, e como a música é sobre futebol, tudo a ver! Os pés dos jogadores de linha e as palmas dos goleiros que defendem as metas. Mais adiante explicarei o porquê de fazer uma música sobre futebol. Antes quero explicar porque o título saiu como uma sigla e não como ‘pés palma’. A sigla PESPALMA vem das siglas de quatro Estados: PE (Pernambuco), SP (São Paulo), AL (Alagoas) e MA (Maranhão). Por quê? Porque eu sou filho de pernambucanos e fui criado em PE, Zeca Baleiro fez o nome dele em SP, porém eu nasci em AL e ele no MA. Daí o título da faixa. Sobre o tema, decidi falar sobre futebol porque sou um apaixonado pela modalidade, porque carrego comigo a frustração de não ter exercido o futebol profissionalmente e pelo fato de ler uma crônica do Zeca em que ele falava sobre futebol e música e demonstrava sentir falta de mais canções que versassem sobre o tema. Então convidei-o para engrossar o caldo dessas canções na música brasileira que falam sobre o ludopédio. Agora tá explicado aquilo que mencionei na resenha de PQTRLV, eu torço pelo Sport por ter sido criado da mais tenra idade até o início da fase adulta em Pernambuco, e Zeca fez questão de colocar na parte dele nesta faixa a seguinte definição: “você é Sport, eu sou MAC (Maranhão Atlético Clube, o time pelo qual ele torce – ele torce pelo Santos também, mas isso vocês perguntem ao próprio), você é craque e eu também sou”. É isso. E eu achei por bem colocar esta faixa logo após Fuzarca de nowhere porque o principal canto da torcida do Sport diz: “a turma é mesmo boa, é mesmo da fuzarca”, então depois daquela reflexão da faixa anterior de que a fuzarca não leva a lugar nenhum (nowhere), o indivíduo volta a se render à fuzarca por meios futebolísticos. A fuzarca futebolística é um alento quando não usada como opiáceo. 
Conheci Zeca Baleiro através de Fernando Nunes (baixista dele, que também já tocou com Cássia Eller). Eu havia conhecido Fernando em Maceió, num workshop que ele fez sobre produção/gravação em estúdio, eu fui um dos artistas selecionados para servir de “cobaia” em suas mãos. Produzimos uma versão rap do hino de Alagoas. Depois disso, ele apresentou meu trabalho ao Baleiro e, quando Zeca foi a Maceió se apresentar num show, apresentou-me pessoalmente. Já me rendeu uma participação no show do Zeca Baleiro nesse dia. Foi massa! Nunca tinha lidado até então com algo tão grande, participar do show de uma referência é responsa!

BATATAS (f)eat Ellen Oléria

batatas ao vencedor
ao perdedor, nada

eu não quero pouco
eu quero muito
quero muito mais
como muitos no intuito
de dar o gás
e sair lá do escuro
e ver a luz
do outro lado desse muro
mas o meu caminho, por vezes obscuro
me faz às vezes um tanto que fortuito
jeitinho brasileiro, tudo acaba em carnaval
honestidade por aqui é raridade, passa mal
vamo de pizza? estrangeira ou nacional?
metade de um sabor, metade de outro, que tal?
desce no capricho e põe na conta, por favor
a fatia traga quente e ponha a nota no congelador
derrotado como muitos
preparado como poucos
para a perda, pro sufoco
me levanto, piso fundo
consciente, saio louco
com o olho no futuro
não é por nada não
certamente é por tudo!

já que griot, vai ter cabalah
saia da molecagem, cê vai ter que se virar
coro em manifestação
contra a corrupção
vestindo sua original camisa da seleção
tá aí!
num desce da ponte aérea, miséria faz uma intéra
compra no precinho do dólar e satura a classe média
eu também quero minhas batata, pá
quem acumulou, não chora, divide e cala

batatas ao vencedor
ao perdedor, nada

eu já tô cansado, não me iludo
com esse papo que humilde é ser duro
eu quero é tudo, já disse e digo mais
bunda de fora não, eu quero calça de veludo
não sou do bairro nobre nem do subúrbio
habito o planeta Terra, cidadão do mundo
ando no asfalto, também no barro duro
qualquer logradouro, no raso ou no fundo
preste atenção, tome tento, chegue junto
você tá com fome, mas pode encher o bucho
carroça é pra burro, quero guiar no fluxo
quem não quer sair do lixo e ir pro luxo?
você pode ser servo ou pode ser Augusto
viver livre o ano todo ou só viver a gosto
dos mandos e desmandos do comando injusto
a mi no me gusta, eu mesmo não gosto
“sou senhor do meu destino, capitão da minha alma”
um tropeço aqui não me causa trauma
só me impulsiona e eu já caio lá na frente
e no rolamento me levanto rapidamente

batatas ao vencedor
ao perdedor, nada

Batatas é uma faixa que traz a belíssima participação de Ellen Oléria, vencedora da primeira edição brasileira do reality The voice. Não conheço Ellen pessoalmente, essa parceria foi firmada através da internet. Eu participei de uma faixa do segundo disco do Sacassaia, grupo brasiliense, de onde Ellen é natural, nesse disco, Boca da terra, ela também fez participação, e no momento em que nos foi enviado um e-mail para uma primeira audição, antes do álbum ser lançado, eis que esse e-mail veio coletivo, com o endereço visível de todos aqueles que estavam recebendo a obra em primeira mão, e lá estava o e-mail dela. Catei o e-mail, mandei um argumento daquele jeitinho e ela aceitou participar do meu álbum. Fizemos tudo pela internet, enviei a música e ela me enviou de volta os vocais maravilhosos.
Sobre esta faixa em si, Batatas faz uma referência a Machado de Assis e seu personagem Quincas Borba, um filósofo que desenvolve uma teoria, o Humanitismo, que tem como célebre frase lema: “ao vencedor, as batatas”. Basicamente, a letra fala sobre isso, sobre batalhar para sobreviver. Quem leu o livro, entenderá a analogia. Quem não leu, leia.
Outras referências que aparecem na letra: Lixo luxo, de Augusto de Campos (“quem não quer sair do lixo e ir pro luxo? Você pode ser servo ou pode ser Augusto”) e Invictus, de William Ernest Henley, poema que inspirou Nelson Mandela (“sou senhor do meu destino, capitão da minha alma”).

É NOZ (f)eat Boby CH

é noz, é noz!
nós somos nozes

florescemos, damos frutos com estilo
mas essa floresta está cheia de esquilo
prontos pra nos detonar
prontos para nos quebrar
mas somos casca grossa, não andamos de vacilo
temos quilos de sabedoria dentro do invólucro
camuflamos, confundimos o sistema óptico
temos a carapaça
por dentro a cinza massa
enquanto o esquilo se disfarça como inócuo
em pele de cordeiro, tremendo insidioso
quer quebrar a casca, quer roer o osso
penso, posso, faço
nunca vou te dar o gosto
se quiser filé, eu sou carne de pescoço
como já dizia Vinícius de Moraes
reconhece-se um amigo, amizade não se faz
bem acompanhado
ando com Gustavo
então, esquilo, me esquece e me deixa em paz

é noz, é noz!
casca grossa de quebrar
nós somos nozes

somos tatuadores, dançarinos, skatistas...
peculiares num conjunto, destaque na pista
de dança, de asfalto
nunca de salto alto
na pele o desenho representa o ativista
que simboliza e expressa ele mesmo
símbolo de expressão, emoção a esmo
não se deslumbra fácil
mesmo num palácio
vai pedir no caldo uma porção de torresmo
o provérbio diz, o provérbio mente:
deus dá nozes a quem não tem dente
assim tu me tira
tamanha mentira
o que não falta aqui é roedor de patente
disposto a quebrar a minha casca
sugar o meu tutano, tirar uma lasca
do que é mais exímio
o meu raciocínio
mas eu nem esquento e tiro férias no Alasca

é noz, é noz!
casca grossa de quebrar
nós somos nozes

esquilos querem se apropriar
com o seu egoísmo
mas nós é custo caro
grana não compra o meu compromisso
minha cultura não se vende, bate o pé
dispense com seus papo rafamé
universos de nozes, criação científica
a arte universal dentro do gênio certifica
não venha com sua saliência
por ter minha sapiência
de querer crescer, mas meu talento é resistência
somos frutos da revolução
soldados prontos pra atacar
minha mente eleva, a arte prospera
onde você não vai chegar
esquilo te oferece a mão
pra roer todo o seu brilho
te vê como cifrão, nada é em vão
no descarte pifado e batido
guerreiros de quebrada
casca grossa de favela
não gela nem amarela
entre becos e vielas
resistente aos roedores
não estamos à venda
veja bem, senhores
hoje somos a lenda, viva

é noz, é noz!
casca grossa de quebrar
nós somos nozes

É noz é um trocadilho com a expressão ‘é nós’, que tomou proporções nacionais e atualmente todo território brasileiro faz uso dela. É uma expressão que indica união entre semelhantes, entre pessoas que compartilham os mesmos ideais. Pensando nisso, elaborei uma metáfora com a noz, como se os resistentes a todas as mazelas sociais fossem nozes, e os inimigos, aqueles que querem devorar o miolo das nozes, seu alimento preferencial, são esquilos. Basicamente, a letra consiste nisso. E vem logo na sequência de Batatas, para manter a ideia de resistência e luta pelo que se almeja. Convidei Boby CH, artista alagoano de altíssimo nível no ragga, no dance hall e afins, para participar, e ele chegou assim pesado com sua interpretação a respeito da temática, mandando muito bem na estrofe que ele compôs.
Referências principais que aparecem na letra: Vinícius de Moraes e Stephen Hawking (O universo numa casaca de noz).

AS AVENTURAS DE PI

todo mundo quer dançar, todo mundo quer curtir
quem não quer extravasar, quem não quer se divertir?!
então larga do meu pé, deixa de ser cricri
porque hoje vão rolar as aventuras de Pi
sem zebra nem suco de laranja
entre hienas e tigres, a gente se arranja
a noite é minha, sou eu quem esbanja
atração principal, não me venha com canja
nem plágio, estágio é pra principiante
eu sou profissional, conheço fraude de longe
prefiro antes o que faz sofrer com prazer
a ter uma vida de monge
me conte sobre aquela sua postagem
de ontem, que clamava por liberdade
dono da verdade, disparou em seu blog
vem cá, você conhece Vladimir Herzog?

lute pelo seu direito de brincar
mas não brinque com o seu direito de lutar
todo mundo quer dançar, todo mundo quer curtir
porque hoje vão rolar as aventuras de Pi

não estaria a cantar se não fosse Zumbi
que decidiu lutar para me garantir
a vadiagem vai rolar num canto banto-guarani
e só para constar o Haiti é aqui
e em todo lugar, fazendo a terra tremer
vamo arrepiar, quem deve vai temer
a cobrança virá, virá que eu vi
não adianta chorar, ainda não morri
mas vou morrer de rir ao ver você se borrar
quando concluir que eu não vou colaborar
me espere aqui, vou ali, volto já
lutar pra festejar o meu direito de lutar
porque com isso eu não brinco, levo à vera
luto com afinco para poder brincar
2 e 2 podem ser 5, depende da matéria
prove sua tese e depois saia pra comemorar

lute pelo seu direito de brincar
mas não brinque com o seu direito de lutar
todo mundo quer dançar, todo mundo quer curtir
porque hoje vão rolar as aventuras de Pi

As aventuras de Pi é uma faixa que já traz em seu título uma referência cinematográfica e discute ao longo dela uma situação delicada, o plágio. A princípio, a letra fala sobre o imbróglio causado pela obra As aventuras de Pi, de Yann Martel, que teve uma belíssima adaptação para o cinema, por ser um plágio de Max e os felinos, do escritor brasileiro Moacyr Scliar. Então a primeira estrofe, basicamente, versa sobre isso, citando metaforicamente os personagens d’As aventuras de Pi (“sem zebra nem suco de laranja, entre hienas e tigres a gente se arranja”) e fazendo menção ao plágio (“eu sou profissional, conheço fraude de longe”), além de citar o Moacyr indiretamente (“prefiro antes o que faz sofrer com prazer”), pois tal nome é indígena – citado em Iracema, obra de José de Alencar – e quer dizer ‘o que vem da dor’. O refrão é bem simples, faz referência ao grupo Beastie Boys, grande influência minha nos anos de 1990, eles têm uma música que se chama (You gotta) Fight for your right (to party), que, numa tradução livre, diz que “você deve lutar por seu direito de festejar”, e assim fiz menção no refrão desta faixa: “lute pelo seu direito de brincar, mas não brinque com o seu direito de lutar”. Além do próprio instrumental, que é uma homenagem ao hip hop dos anos de 1980/90, há algumas outras referências/homenagens ao longo da letra, como Zumbi, Vladimir Herzog, Gilberto Gil e Caetano Veloso (‘Haiti’ e ‘Um índio’, essa última também cita José de Alencar, o que faz com que minha letra dialogue ainda mais com tal referência) e “2 e 2 podem ser 5” referindo-se mais uma vez neste álbum à obra 1984, de George Orwell.