sábado, 30 de outubro de 2010

SEM PRETEXTO PARA DIZER


Meu amigo Gustavo uma vez me confessou que queria ter vivido em Macondo, a cidade imaginária de Gabriel Garcia Marquez, porque lá, segundo ele, os homens morriam sem morrer, e me recordo que identificava naquilo um certo conforto. Para mim, Vitor Pi, a Literatura sempre foi uma possibilidade de conforto (homens que não morriam), inimigos que eu não enfrentei, cidades que nunca existiram, violências muito pacíficas. Faço RAP, e para quem faz RAP o realismo era menos fantástico, eu queria chamar as coisas pelo nome. Juro, eu queria chamar pão de pão, pedra de pedra, manteiga de manteiga, e me permitam, o preço do poema não cabe no aluguel.
Faz tempo, lembro-me de lhe ter encontrado e de ter tido a sensação de que ele poderia compor comigo. Sujeito preguiçoso, nunca hipotecou seu tempo para isso, mas posso garantir, o DNA dele está presente em muitas das minhas mais delicadas criações. Recordo-me que naquela ocasião sentia-me convidado a refletir sobre o projeto histórico das guerrilhas desse continente que ainda me arrogo a chamar de América, naquela perspectiva em mesas de bares desprezadas de um centro de Maceió, não menos desprezado, ele me sugeriu que melhor seria se nós nos referíssemos aos nossos "elegantes" vizinhos como estadunidenses. Naquele momento me senti americano. E confesso, mais até que brasileiro. E para os bons amigos, uma leve refração até mais que alagoana. Mas eu queria discutir a guerrilha. E pude discuti-la e assimilar convicções, inflexões e dúvidas. É o “desconforto” de conviver tão de perto com o historiador, a propósito, o ofício do historiador é lembrar o que o outro esquece.
Gostaria de ser conclusivo na perspectiva daqueles dois homens, e me refiro a mim e a Gustavo Pessoa, os guerrilheiros eram equivocados por quererem revolucionar o mundo que não conheciam, mas nós éramos, continuamos e seremos sempre intelectuais nervosos, a ponto de não aceitar a ideia fácil de que alguém que renuncia a própria vida para fugir da morte na floresta, que corrompe a cena do avatar, é oportunista. Os mortos que vocês mataram talvez já não gozem de tanta saúde. Guga, eu já não espero mais pela canção. O leitão espera por você, eu também vou sempre esperar para não sentir saudade do teu sorriso.

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