A curiosidade é a seguinte, dentre tantas coisas que esmiucei na cartinha, no último parágrafo eu explicitei que gostaria de fazer uma versão de uma canção dela que se chama Senhas. E com o que eu me deparo no dia 18 de janeiro? Baco Exu do Blues, com o aval da própria Calcanhotto, num projeto chamado Nada ficou no lugar, fazendo uma versão de Senhas.
Deixo aqui meu salve a todos os envolvidos, e abaixo a cartinha.
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Maceió, 11 de outubro de 2018
Para a mulher do Pau-Brasil
Olá, Adriana,
chamo-me Vitor Pirralho (como o semanário – O Pirralho – de Oswald de Andrade)
e muito me apetece que você receba com carinho este material, minha obra, fruto
da folia/orgia/poesia, negócio do ócio também. Sou muito seu fã, comecei a
ouvir sua música por influência da minha mãe, sempre que estamos a celebrar
algo, até hoje, ela diz “põe Gafanhoto aí pra gente escutar” (rsrs), acredito
que outras pessoas também já tenham feito esse jogo sonoro com seu nome.
Eu também sou
professor de literatura, tenho atualmente 36 anos, e componho desde os 16, 17
anos, ou seja, desde 1998, 1999. Até gravei de forma caseira, em 1999, no
início dos softwares de música, um “álbum”, o que hoje provavelmente seria
chamado de mix tape. Intitulei o projeto como Tallow Soul (esse seria o nome do grupo que eu gostaria de ter
montado) e o trabalho de estreia foi batizado como Desordem é progresso. Tem uma faixa desse trabalho (que eu joguei
na nuvem, no Soundcloud) que eu até cito isso em um verso “ainda tenho 17”. Nessa
época, eu morava em Recife, sou alagoano de nascença, mas filho de
pernambucanos que me criaram lá. Costumo dizer que sou “alabucano”. Falando
nisso, tem outra faixa nesse trabalho que eu junto versos de O rio e de Morte e
vida severina, de João Cabral de Melo Neto, com versos meus. Intitulei a faixa
de Saga nordestina. Vi outro dia você dizendo que já tentou musicar algo de
João, mas não foi bem sucedida como foi Chico. Pois é, eu também acho que não
fui bem sucedido, mas deixei registrado, mesmo que precariamente – tanto na qualidade
sonora de uma gravação caseira, que saiu de uma K7 para a posterior
digitalização em um CD e depois para a internet, como também na qualidade da
composição poética –, acho importante colecionar e arquivar e consultar e
revisitar arquivos intelectuais, meus e de quem admiro. Agora estou de volta a
Maceió.
Quando voltei a
Maceió, continuei (até hoje estou) na saga nordestina de produzir música e
poesia, até que em 2004, ao ser contemplado num edital estadual, que me
premiaria com a gravação do meu primeiro álbum de fato, me apresento num show
oficialmente como Vitor Pirralho, junto a uma banda que montamos de última
hora, a qual nomeei U.N.I.D.A.D.E. (União Não Influenciada Demagogicamente,
Antropofagia Determina o Estilo), e com o privilégio de ter sido essa primeira
apresentação abertura para o show da Duofel. Magnífica dupla, que tem um
alagoano. Tramitações e burocracias governamentais, o disco só veio sair mesmo
em 2008. O título: Devoração crítica do
legado universal. Extraí essa frase de um artigo de Haroldo de Campos, que
definia a Antropofagia cultural. Esse primeiro álbum apresenta já algumas
coisas basilares da Antropofagia e do Modernismo como um todo. Por exemplo, a
faixa de introdução se chama Prólogo interessantíssimo (numa referência ao
Prefácio de Mário), há outra faixa que eu canto “tupi or not tupi, that’s the
question” no refrão, e por aí vai, mas não é exatamente um álbum como eu
gostaria que fosse, pois eu tive que cumprir algumas cláusulas com as quais me
comprometi no edital, o que fez com que o disco ficasse carregado com o ranço
ainda da época da Tallow Soul, há
muitos versos que inclusive aproveitei do Desordem
é progresso, muitas músicas do Devoração
ainda carregam imagens, narrativas e agressividade do rap da old school 90’s.
Isso aconteceu porque ele deveria ter saído em 2004, quando ganhei o edital, porém
só saiu em 2008. Mas registrei!
Virada de jogo e
desapego. No ano seguinte, 2009, fui contemplado num edital do MinC, o Projeto
Pixinguinha, sei que esse você também conhece bem. Então eu pude produzir um
álbum dentro do período que eu queria, intensamente, sem espaçamento, focado
num tema. E assim o fiz. Produzi um álbum conceitual, que eu batizei de Pau-Brasil (eis-me aqui, o homem do
Pau-Brasil escrevendo para a mulher), nele eu me desprendo dessa característica
mais icônica do rap e mergulho de cabeça nos conceitos antropofágicos, eu gosto
muito desse disco, ele é repleto de referências e versos oswaldianos, de
discussões sobre o processo de colonização, sobre a formação étnica e cultural
do povo brasileiro, é mais bem produzido, tem um projeto gráfico lindo, enfim,
e o ápice de tudo isso é quando Ney Matogrosso decide gravar desse álbum, e
grava, a música Tupi fusão. Já ouviu? Ele gravou em seu último trabalho de estúdio,
Atento aos sinais. Deu uma belíssima
interpretação a ela. Acredito que você vá gostar do Pau-Brasil, trabalho que
coincide (?) com o seu mais recente.
Já o
protótipo que você tem em mãos, te apresento em primeira mão, será o meu novo
álbum. A invenção é a mãe das
necessidades. Esse está muito bonito. Tem participações de Zeca Baleiro,
Ellen Oléria, Pedro Luís (amo a canção Mão e luva que você gravou, aliás, amo o
Maritmo inteiro!*), Tonho Crocco (seu
conterrâneo, fundador da banda Ultramen, lá do RS) e uma inédita que eu compus
para fazer com Ney Matogrosso, essa música terá também um clipe com o próprio
Ney atuando, já filmamos, lançaremos junto com o disco. É isso. Também está uma
lindeza esse álbum, ele traz discussões dessa atual geração, da velocidade e da
futilidade das informações, de como a contemporaneidade inverte o papel da necessidade
como matriarca das invenções para as tecnológicas invenções ditando nossas
necessidades atualmente. Espero que você tenha uma ótima deglutição.
Pois bem,
Adriana, se te interessar a tessitura da minha obra, entra em contato comigo,
num futuro breve, quem sabe, poderíamos processar uma parceria lírico-musical.
Seria, para mim, mais um sonho realizado no âmbito da poesia/música. Eu gosto
muito da canção Senhas, sempre tive vontade de dar a ela uma versão minha, acho
que ela tem uma pegada agressiva, mas com elegância, que ficaria bem ajustada
num rap com a minha interpretação. Mas isso é só uma ideia, a ideia fundamental
é compor algo inédito contigo.
*Conversei bastante com Sacha Amback sobre esse disco, ele está em
quase todas as faixas, não é mesmo? É lindo demais esse trabalho. Ficamos a nos
deliciar ao analisá-lo naquela ocasião. Sacha é uma figura da mais alta nobreza
e generosidade. Até hoje ele me “deve” a ponte de te conhecer, ele disse que
tentaria me apresentar a você, mas como há muito ele não entra em contato
contigo, não me deu garantias. Bom, cá estamos.
Meus contatos:
82 9****-**11
vitorpirralho@gmail.com
manifestopi.blogspot.com / Redes sociais e plataformas digitais: Vitor
Pirralho
P.S: Perdoe-me se uma missiva digitada ao invés de manuscrita possa
soar com frieza, mas é que de tanto escrever eu desenvolvi um problema no
tendão do antebraço, sempre que escrevo de próprio punho em demasia, é como uma
cãibra, trava tudo e dói.
Atenciosa e carinhosamente, Vitor Pirralho
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